quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

The Americans


Dá pra ver claramente pq as séries substituíram os filmes no campo do áudio visual de entretenimento, com mais criatividade, consistência e densidade..até pq os recursos claramente migraram da produções da tela grande para as telas menores da sala das pessoas.
Como sair a rua  - pra ir ao cinema - em quase todo o mundo se tornou quase tão perigoso como as estripulias que se vê na tela nos filmes de ação, e a tecnologia avançou o suficiente para que a experiência doméstica se tornasse melhor e mais confortável, isso foi um caminho natural, e tende a se acentuar.
Uma das inúmeras vantagens das séries sobre os filmes, entre outras, é o modo como é possível desenvolver melhor as tramas, construir personagens, diálogos coerentes e corrigir problemas de roteiro ao longo do tempo de exibição. Sem falar em questões mais sutis da psicologia do espectador que, ao receber as pessoas/personagens todos os dias  em sua sala de estar cria com elas um vínculo afetivo e de identidade quase tão significativo, as vezes até mais, que com as de carne e osso de seu cotidiano. Se isso é bom ou ruim? Que sei eu dessas coisas?? Ao menos o pior dos psicopatas da TV não vai te abater a machadadas no meio da madrugada como frequentemente faz o adolescente que antes foi uma criança adotada com as maiores expectativas por pessoas que desistiram dos cães e gatos.
Uma das últimas dessas que pegou foi a do titulo acima. Um primor de construção dramática que consegue tratar todas as nuances de um dos aspectos mais obscuros da guerra fria. O trabalho e a vida de um casal de espiões soviéticos vivendo nos subúrbios de Washington, nos anos 80, logo depois da eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA. Como se sabe a intransigência e empenho de Reagan no combate ao comunismo, mais a colaboração de Margaret Tatcher no Reino Unido e o João Paulo II no Vaticano, foram decisivos para os últimos pregos no caixão do comunismo soviético, que por si só já fazia água por todos os lados. Mas não preciso aqui fazer uma sinopse detalhada do enredo, afinal o Google está aí pra isso, pra quem se interessar.

Tão interessante como a mecânica mesmo do trabalho de espiões é o desenvolvimento psicológico dos elementos envolvidos, com destaque para o casal protagonista.
É intrigante como pessoas inteligentes cosmopolitas e instruídas pudessem comprometer sua existência e dos que amam com ações tão arriscadas e sem propósito. E essa afirmação é claramente corroborada pela historia recente se vc pensar como a URSS, o que parecia o mais poderoso e sólido império moderno, vira pó de traque de um dia pro outro, sem mesmo a previsão dos serviços de inteligência mais ativos e eficazes do mundo. E no caso da principal corporação dos espiões soviéticos, a KGB, ou Comissariado para Proteção do Estado, considerado a mais eficaz e ativa das agencias do gênero, só prova que espionagem não serve pra quase nada.
É um desses projetos absurdos, dolorosos para os que se envolvem, cruéis com os que são pegos em sua engrenagem e inúteis em seus propósitos... Assim como a construção de pirâmides ou sacrifícios humanos a alguma divindade das colheitas e bom tempo.
No caso da URSS, o campo de recrutamento de agentes dispostos a acreditar em qualquer coisa dita por seus chefes, era abundante, como forma de escapar ao dia a dia opressivo e modorrento da burocracia estatal e pelo imenso contingente de crianças órfãs resultantes dos 26 milhões de mortos na segunda grande guerra (nunca foi mundial) ou Grande Guerra Patriótica como eles dizem. Essas crianças, de onde saiu a maior parte do contingente de espiões e agentes de inteligência, não tinham qualquer outra fonte de orientação de vida que não aquela fornecida pelo estado, que no fim, podia dispor de suas vidas e esculpir suas consciências como quisesse.
E a fina ironia, como quando,  quando se vê a mãe zelosa, que passa os dias matando sem piscar, torturando, mentindo, praticando toda sorte de perversão sexual, chantageando e enganando em nome de sua causa, quando chega em casa se horroriza ao descobrir que a filha está...lendo a Bíblia. Fazendo um honesto discurso sobre sinceridade, confiança e alertando sobre os perigos da religião, sendo ela mesma discípula de uma perversa seita pagã, baseada em fantasias humanas de igualdade e progresso social, mas que na pratica só serviam aos propósitos  de grupos de poder e a soberba de uma casta de burocratas indiferentes às reais condições da vida do povo.
É uma fina e sagaz incursão pelos meandros da loucura e insensatez do exercício do poder a qualquer custo, e de como isso age na vida das pessoas envolvidas. É político e humano até o limite, com níveis de leitura que se superpõe, onde reflexão e diversão estão juntas de modo equilibrado e homogêneo. Ótimo entretenimento.



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