sábado, 14 de agosto de 2010

O ganha pão (que o diabo amassou) da imprensa

A “vantagem” de sermos um povo sem memória, como dizem, é que sempre estamos nos espantando com coisas antigas. Todo esse alvoroço envolvendo as barbaridades cometidas pelo goleiro do Flamengo, Bruno e cúmplices, cujos detalhes não precisam ser repetidos, por escabrosos, grotescos e tão copiosamente reprisados pela mídia sensacionalista – quase toda – que dispensa qualquer recapitulação. O que pretendo abordar aqui são os aspectos psicosociais do fenômeno que se configura no espanto, meio real meio simulado, de pessoas e instituições que fingem não saber que o crime, a barbárie, o banditismo puro e simples, a fraude, a ambição desmedida, a manipulação de emoções populares, o endeusamento e destruição de ídolos criados sob medida para consumo imediato, sempre fizeram parte do ambiente do futebol. Como dizia o grande Juca Chaves em tempos quase pré-históricos, o futebol é o ganha pão da imprensa.
São inúmeros os fenômenos de perversão e corrupção que rondam os estádios e clubes, desde sempre.
E um dos piores é o modo como o imaginário popular é mobilizado por fantasias de sucesso, fama e dinheiro fácil que faz com que famílias pobres de todo o interior do país acabem por entregar seus filhos para traficantes de ilusões que os abandonam na periferia das grandes cidades depois de os explorar o mais que podem.
Tais delinqüentes rondam os campos de várzea e pequenos estádios do interior, assediando os meninos e jovens atletas com promessas de fama e fortuna, a partir de testes em grandes clubes das capitais, que abririam as portas do sucesso, inclusive, no exterior, gloria suprema.
Mas para isso os pais, dizem os malfeitores, tem de arcar com as despesas de manutenção de sua prole – que nem está tão empolgada assim, mas embarca na trip familiar - iludida, nos primeiros tempos de testes e experiências nos clubes de maior expressão nas cidades grandes. A exigência de mais dinheiro se repete até que as famílias percam as ilusões e percebam que foram enganadas. Aí os meninos desorientados e assustados são abandonados em casebres na periferia, sem comida, sem roupas e não raro, doentes.
Existem outras versões dessa prática criminosa: mães fascinadas com o mundo da televisão são convencidas a pagar pela produção de um book – álbum de fotografias - de seus rebentos, que a natural corujice materna sempre imagina mais bonitos que são na verdade. Essas fotos e vídeos seriam levados aos estúdios de televisão e sua prole seria contratada por somas fantásticas para anúncios, novelas de TV e até filmes, quem sabe? Esse é um golpe antigo que ainda funciona. Quem sabe a perspectiva de poder finalmente fazer aquela plástica ou a lipo sempre adiada? A viagem a Disney? A compra da mansão e o fim do churrasco na laje? Uma festa de casamento num castelo, num vinhedo no vale do Loire, na França? O céu é o limite...
Mas por falar em filmes, não sei porque, pela importância que o futebol tem para a nossa gente, ainda não se fez um filme bom sobre esses aspectos, da corrupção e crime desse meio. Os mexicanos fizeram recentemente, – chama-se Rudo e Cursi - realização que resulta do concurso de esforços dos maiores realizadores do país: Alejandro Iñarritu, Alfonso e Carlos Cuaron e Guillermo Del Toro. Vale buscar nas locadoras – foi lançado em DVD recentemente – e se deliciar com o modo como o tema é tratado com maestria e fluência pelos craques. E tentar responder a pergunta sobre o motivo pelo qual não podemos fazer algo semelhante.
Quanto ao tema dos futuros atores também existe um filme ótimo do Giuseppe Tornatore, Luomo Delle Stelle, (O Homem das Estrelas) que é um remake perfeito de La Strada (A Estrada da Vida) de Fellini, onde um ótimo Sergio Castellito faz o equivalente ao Zampanó, personagem de Anthony Quinn no original.

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