domingo, 25 de outubro de 2009

A Epifania do Fantasma

Epifania é iluminação da mente, a compreensão súbita, a revelação. De repente uma coisa que vemos com freqüência ganha sentido novo e percebemos algo que não víamos antes, oculto na trama do tecido da normalidade aparente.
O filme citado no titulo, O Fantasma da Liberdade de Luis Buñuel, o gênio do surrealismo escrito a quatro mãos com o roteirista Jean Claude Carriére, ele todo um desvelamento do absurdo do cotidiano, mas uma seqüência em particular condensa e sintetiza todo o sentido: Na escola, no recreio, a professora dá por falta de uma aluna, manda todos voltarem a seus lugares na sala de aula para que possa se assegurar da ausência da menina. Em seguida chama a diretora da escola que telefona para os pais da desaparecida, que em minutos se apresentam na sala de aula e ouvem a historia, entre irritados e perplexos. Chamam a polícia que comparece e começa a entrevistar os alunos, e quando pedem a descrição da menina para passar aos demais policiais, nas ruas, a providência surpreendente da professora é apontar para a carteira da estudante, de onde a mesma dá sinais de impaciência com o alvoroço, e pela falta de atenção com sua presença em seu assento. O policial se aproxima dela, e com naturalidade, passa a observar sua estatura, cor dos olhos, cabelos, roupas, e outras características que anota em um bloco e ordena ao auxiliar para repassar as informações aos demais integrantes do contingente, para que possam procurar a desaparecida.
Confesso que na época não estava preparado para aquilo. Mas com o passar dos anos, em algum momento, de repente tudo ficou óbvio: é isso, é assim que as coisas são todo o tempo. É só observar com outros olhos, desembuçados pela cegueira da “normalidade”, isso acontece a todo momento em volta de nós e não vemos quase nunca.
Toda hora, em todo lugar, tem alguém procurando uma menina “desaparecida” que nunca saiu do seu lugar.

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